CUIDANDO DO AMBIENTALISTA

Um aluno me perguntou “Existem tantos problemas urgentes, 
o que eu devo fazer?” Eu respondi:“Escolha uma coisa
e faça-a muito cuidadosamente e profundamente que, 
ao mesmo tempo,você estará fazendo tudo.”


Muitas pessoas estão cientes do sofrimento da Terra, e os corações delas estão cheios de compaixão. Elas sabem o que precisa ser feito, e se engajam em trabalho político, social e ambiental para tentar mudar as coisas. Mas depois de algum tempo de envolvimento intenso, elas freqüentemente se tornam desanimadas porque lhes falta a força necessária para sustentar uma vida de ação. Só intelecto não é suficiente para guiar uma vida de ação compassiva. Para influenciar efetivamente o futuro do nosso mundo precisamos de algo mais. Força real pode ser encontrada não em poder, dinheiro ou armas, mas na paz interior profunda. Quando temos discernimento o suficiente, não somos mais aprisionados pelas inúmeras situações difíceis. Podemos sair das situações difíceis muito facilmente. Quando mudamos as nossas vidas diárias – o nosso modo de pensar, falar e agir – mudamos o mundo. É importante que nós vivamos de um modo que estejamos profundamente presentes ali em cada momento, em nossa verdadeira presença, sempre vivos e nutrindo o insight do interser. Sem paz e felicidade não podemos tomar conta de nós mesmos, de outras espécies, ou do planeta. É por isso que a melhor forma de cuidar do ambiente é cuidando do ambientalista.


Existem muitos ensinamentos budistas que podem nos ajudar a compreender a nossa interconexão com a nossa Mãe Terra. Um dos mais profundos é o Sutra do Diamante, que está escrito em forma de diálogo entre Buda e um dos seus importantes discípulos, Sabhuti. O Sutra do Diamante é o mais antigo texto sobre ecologia profunda. Ele começa com Sabhuti perguntando: “Se filhas e filhos de famílias de bem desejassem fazer brotar a mente mais elevada, plena e desperta, em que deveriam se confiar e o que deveriam fazer para dominar os seus pensamentos?”
                                                                                  
Isto é o mesmo que perguntar: “Se eu quisesse usar todo o meu ser para proteger a vida, quais métodos e princípios eu deveria usar?”


Buda responde: “Temos que dar o melhor de nós mesmos para ajudar todo ser vivo a cruzar o oceano do sofrimento. Mas depois que todos os seres tiverem chegado à margem da libertação, nenhum ser foi levado à outra margem. Se você ainda estiver aprisionado à idéia de um eu, de uma pessoa, de um ser vivo, ou tempo de vida, você não é um bodisatva autêntico.”


Eu, pessoa, ser vivo e tempo de vida são quatro noções que nos impedem de ver a realidade.


A vida é uma; não precisamos cortá-la em fatias e chamar este ou aquele pedaço de um “eu”. O que chamamos de “eu” está constituído de elementos que não são “eu”. Quando nós olhamos para uma flor, por exemplo, podemos pensar que ela é diferente das coisas que não são flor. Mas quando olhamos com maior profundidade, vemos que tudo no cosmos está naquela flor. Sem todos os elementos que não são flor – luz solar, nuvens, solo, jardineiro, minerais, calor, rios e consciência – uma flor não consegue existir. É por isso que Buda ensina que o eu inexiste. Temos que descartar todas as distinções entre o eu e o não-eu. Como poderia alguém trabalhar pela proteção do ambiente sem este insight?


A segunda noção do Sutra do Diamante nos aconselha a jogar fora a noção de uma pessoa, de um ser humano. Isto não é tão difícil. Quando contemplamos o ser humano, vemos os ancestrais humanos, os ancestrais animais, os ancestrais vegetais e os ancestrais minerais. Vemos que o humano está constituído de elementos não-humanos. Nós geralmente discriminamos entre humanos e não-humanos, pensando que somos mais importantes do que outras espécies. Mas considerando que nós, humanos, nos constituímos de elementos não-humanos, temos que proteger todos os elementos não-humanos para nos proteger. Não há outro modo. Se você pensa que Deus criou os humanos à Sua própria imagem e que Ele criou todas as outras coisas para os humanos as usarem, você já está discriminando e considerando as pessoas como sendo mais importantes do que os outros seres. Quando compreendemos a inexistência do eu humano, compreendemos que cuidar do ambiente (dos elementos não humanos) é cuidar da humanidade. Temos que respeitar e proteger outras espécies para que tenhamos uma chance. A melhor fora de cuidar bem dos seres humanos para que eles sejam verdadeiramente saudáveis e felizes é cuidando dos outros seres e do meio ambiente.


Conheço ecologistas que estão infelizes em suas famílias. Eles trabalham muito para melhorar o ambiente, em parte, para fugir da infelicidade de suas vidas em família. Se uma pessoa não está feliz consigo mesma, como poderia ajudar o ambiente? Proteger os elementos não-humanos é proteger os humanos, e proteger os humanos é proteger os elementos não-humanos.


A terceira noção que devemos nos libertar é a noção de um ser vivo.  Pensamos que nós, seres humanos, somos diferentes de objetos inanimados, mas de acordo com o princípio da inter-existência, os seres vivos são compostos de elementos que não são vivos. Quando olhamos para dentro de nós, vemos minerais e todos os outros elementos que não são seres vivos. Por que discriminar o que chamamos de inanimado? Para proteger os seres vivos, devemos proteger as pedras, o solo e os oceanos. Antes de a bomba atômica ter sido jogada em Hiroshima, havia muitos lindos bancos de pedra nos parques. Quando os japoneses estavam reconstruindo a cidade deles, sentiram que àquelas pedras estavam mortas. Então eles as carregaram para longe e as enterraram, e trouxeram pedras vivas. Não pense que estas coisas não estão vivas. Os átomos estão sempre se movendo. Os elétrons se movem quase na velocidade da luz. De acordo com o ensinamento budista, átomos e pedras é a própria consciência. Por isso, a discriminação entre seres humanos e seres inanimados deve ser descartada.


A última noção é a de tempo de vida. Pensamos que estivemos vivos a partir de determinado ponto no tempo e que antes daquele momento, nossa vida inexistia. Esta distinção entre vida e não-vida é incorreta. A vida é feita de morte e morte é feita de vida. Temos que aceitar a morte; ela torna a vida possível. As células em nosso corpo estão morrendo todo dia, mas nunca pensamos em organizar um funeral para elas. A morte de uma célula permite o nascimento de outra. Vida e morte são dois aspectos da mesma realidade. Devemos aprender a morrer pacificamente para que outros possam viver. Esta meditação profunda faz nascer o destemor, a ausência da raiva, a ausência do desespero, que são as forças que precisamos para nosso trabalho. Com destemor, mesmo quando vemos que um problema é imenso, nós não nos exaurimos. Saberemos dar passos pequenos e constantes.


Se àqueles que trabalham pela proteção ambiental contemplarem profundamente estas quatro noções, saberão viver e agir. Terão energia e discernimento suficientes para ser um bodisatva no caminho da ação.


Há muito sofrimento no mundo, e é importante que estejamos em contato com este sofrimento para sermos compassivos. Mas para permanecermos fortes também precisamos abraçar os elementos positivos. Quando vemos um grupo de pessoas vivendo totalmente consciente, sorrindo e se comportando de forma amorosa, nós adquirimos confiança no futuro. Quando praticamos respirando, sorrindo, repousando, caminhando e trabalhando em consciência plena, nós nos tornamos um elemento positivo na sociedade e inspiramos confiança em todos à nossa volta. Esta é a forma de evitar que o desespero nos domine. Também é a forma de ajudar as gerações mais jovens a não perder a esperança. É muito importante que vivamos nossas vidas diárias de modo a demonstrar que um futuro é possível.


Para fazer acontecer mudanças reais em nossa situação ecológica global nossos esforços devem ser coletivos e harmoniosos, baseados em amor e respeito por nós mesmos e pelos outros, por nossos ancestrais e futuras gerações. Se a raiva diante da injustiça é o que usarmos como a fonte de nossa energia, poderemos fazer algo prejudicial, algo que mais tarde vamos nos arrepender. De acordo com o Budismo, compaixão é a única fonte de energia que é útil e inofensiva. Com compaixão sua energia nasce do insight, não é energia cega. Apenas sentir compaixão não basta; temos que aprender a expressá-la. Por isso o amor deve sempre andar junto da compreensão. Compreensão e insight nos mostra como agir.


O termo “budismo engajado” foi criado para restaurar o verdadeiro significado do Budismo. Budismo engajado é simplesmente o Budismo aplicado à nossas vidas cotidianas. Se não for engajado, não pode ser chamado de Budismo. A prática budista acontece não apenas nos mosteiros, salões de meditação e institutos budistas, mas em qualquer situação que nos encontremos. Budismo engajado significa as atividades da vida diária combinadas com a prática da consciência plena.


Existe uma necessidade real de levar o Budismo ao âmago da vida social, especialmente quando você se encontra numa situação de guerra ou de injustiça social. Durante a Guerra do Vietnã ficou muito claro que deveríamos promover o Budismo engajado, para que compaixão e compreensão pudesse se tornar parte da vida diária das pessoas. Quando o seu vilarejo está sendo bombardeado e destruído e quando seus vizinhos se tornam refugiados, você não consegue simplesmente praticar meditação sentada no salão de meditação. Mesmo que o seu templo não tenha sido bombardeado e o seu salão de meditação esteja intacto, você ainda consegue escutar os gritos das crianças feridas e pode ver a dor dos adultos cujos lares foram destruídos. Como poderia continuar a se sentar de manhã cedo, à noite e ao meio dia? É por isso que você tem que encontrar meios de levar sua prática à sua vida diária e sair para ajudar as pessoas. Você pode fazer tudo o que pode para aliviar o sofrimento delas. No entanto, você também sabe que se você abandonar a sua prática de sentar-se, de caminhar em total consciência, não será capaz de continuar por muito tempo.


É importante, enquanto estivermos prestando trabalho voluntário ou militando em prol do meio ambiente, que encontremos meios de continuar nossa prática de respirar conscientemente, de caminhar conscientemente e falar conscientemente. Que não nos entreguemos à raiva ou ao desespero, quando estivermos refletindo sobre o estado atual do mundo ou quando confrontados com àqueles que se dedicam ao uso destrutivo dos recursos. Ao invés disso, podemos fazer das nossas vidas um exemplo de vida simples. A escuta profunda e a fala amorosa pode apoiar a transformação dos indivíduos e da sociedade e nutrir o despertar coletivo que irá salvar nossa civilização e planeta.
Se quisermos ser bem sucedidos na prática da fala amorosa, precisaremos saber como manusear e lidar com nossas emoções quando elas vêem à tona. Toda vez que a raiva, a frustração ou tristeza emergem temos que ter a capacidade de lidar com elas. Isto não significa dizer que lutamos contra elas, que as suprimimos ou afugentamos. Nossa raiva e decepção é parte de nós e não devemos lutar contra ela ou suprimi-la. Quando nos oprimimos comentemos violência contra nós mesmos. Se soubermos retornar à nossa respiração consciente, fazemos com que a nossa verdadeira presença surja e geramos a energia do estar em contato. Com esta energia podemos reconhecer e abraçar amorosamente a nossa tristeza, raiva ou decepção.


O trabalho social e o trabalho assistencial feitos sem a prática da consciência plena não podem ser descritos como Budismo engajado. As pessoas que fazem este trabalho podem se perder em desespero, raiva, decepção. Se você estiver realmente praticando o Budismo engajado, saberá se preservar como praticante enquanto faz coisas para ajudar as pessoas no mundo. Budismo verdadeiramente engajado é acima de tudo praticar a consciência plena em tudo o que fazemos.
A prática da consciência plena nos ajuda a estar cientes do que está acontecendo. Quando formos capazes de olhar profundamente dentro do sofrimento e reconhecer suas raízes, estaremos motivados a agir e a praticar. A energia que precisamos não é medo ou raiva, mas a energia da compreensão e compaixão. Não há necessidade de culpar ou condenar. Àqueles que estão se destruindo, destruindo sociedades e o planeta não estão fazendo isto intencionalmente. A dor e solidão deles são esmagadoras e eles querem fugir. Eles precisam ser ajudados, não punidos. Somente compreensão e compaixão a nível coletivo pode nos libertar.

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