Cada um de nós pode fazer algo para proteger e cuidar do nosso planeta. Temos que viver de um modo tal que possibilite um futuro aos nossos filhos e netos. Nossa própria vida deve ser a nossa mensagem.
Thich Nhat Hanh

SINOS QUE DESPERTAM A CONSCIÊNCIA

Os sinos da consciência plena estão nos chamando, 
tentando nos acordar, 
lembrando-nos de olhar profundamente 
para o nosso impacto sobre o planeta.

Os sinos do despertar da consciência estão soando. Em todas as partes da Terra experienciamos enchentes, secas e incêndios catastróficos. O gelo marítimo está derretendo no Ártico e furacões e ondas de calor estão matando aos milhares. As florestas estão desaparecendo rapidamente, os desertos estão aumentando, espécies estão se extinguindo a cada dia e, no entanto, continuamos a consumir, ignorando os retumbantes sinos.


Todos nós sabemos que o nosso lindo planeta verde está em risco. Nosso modo de caminhar sobre a Terra tem uma grande influência sobre os animais e as plantas. No entanto, agimos como se nossas vidas diárias não tivessem algo a ver com as condições do mundo. Somos como sonâmbulos que não sabem o que estão fazendo ou onde está indo. Se vamos conseguir despertar, ou não, depende de se vamos conseguir andar conscientemente sobre a nossa Mãe Terra. O futuro de toda vida, incluindo a nossa própria, depende dos nossos passos conscientes. Temos que ouvir os sinos da consciência plena que estão ressoando de um lado a outro do nosso planeta. Temos que começar a aprender a viver de um modo que possibilite um futuro aos nossos filhos e netos.


Eu me sentei longamente com Buda e o consultei sobre esta questão do aquecimento global, e o ensinamento de Buda é muito claro. Se continuarmos a viver como temos vivido, consumindo sem pensar no futuro, destruindo nossas florestas e emitindo quantidades perigosas de dióxido de carbono, as mudanças climáticas devastadoras serão inevitáveis. Grande parte do nosso ecossistema será destruída. Os níveis dos mares subirão e cidades costeiras serão inundadas, causando centenas de milhões de refugiados, criando guerras e erupções de doenças infecciosas.


Precisamos de um tipo de despertar coletivo. Há entre nós homens e mulheres que estão despertos, mas isto não basta; a maioria das pessoas está dormindo. Construímos um sistema que não conseguimos controlar. Ele se impõe sobre nós, e nos tornamos seus escravos e vítimas. Pois a maioria de nós que quer ter uma casa, um carro, um refrigerador, uma televisão, etc. têm que, em troca, sacrificar seus tempos de vida. Estamos constantemente sob a pressão do tempo. Antigamente podíamos dispor de três horas para tomar uma xícara de chá, desfrutando a companhia de amigos num sereno clima espiritual. Podíamos organizar uma festa para celebrar o desabrochar de uma orquídea no nosso jardim. Mas hoje não temos mais o luxo destas coisas. Dizemos que tempo é dinheiro. Criamos uma sociedade onde o rico se torna mais rico e o pobre se torna mais pobre, e onde estamos tão aprisionados em nossos problemas imediatos que não nos permitimos estar cientes do que está acontecendo com o resto da nossa família humana ou com o nosso planeta Terra. Na minha mente eu vejo um grupo de galinhas engaioladas disputando algumas sementes de trigo, inconscientes de que daqui a algumas horas elas serão mortas.


As pessoas na China, Índia, Vietnã e outros países em desenvolvimento ainda estão sonhando o “Sonho Americano”, como se este fosse o objetivo máximo da humanidade: todos têm que ter o seu próprio carro, sua própria conta bancária, um telefone celular, um aparelho de televisão. Em vinte e cinco anos a população da China será de um bilhão e meio de pessoas, e se cada uma delas quiser dirigir os seus próprios carros individuais, a China precisará de noventa e nove milhões de barris de óleo por dia. Mas a produção mundial hoje é de apenas oitenta e quatro milhões de barris diários. Então o sonho americano não é possível para os chineses, indianos ou vietnamitas. O sonho americano não é mais possível nem mesmo para os americanos. Não podemos continuar a viver assim. Esta não é uma economia sustentável. 


Temos de ter outro sonho: o sonho da irmandade, da bondade amorosa e da compaixão. Este sonho é possível aqui e agora mesmo. Temos o Darma, temos os meios e sabedoria suficiente para sermos capazes de viver este sonho. A consciência plena está no coração do despertar, da iluminação. Praticamos a respiração consciente para ser capaz de estar aqui no momento presente, assim conseguimos reconhecer o que está acontecendo dentro de nós e a nossa volta. Se o que está acontecendo dentro de nós é o desespero, temos que reconhecer isto e agir imediatamente. Podemos não querer confrontar esta formação mental, mas esta é uma realidade e temos que reconhecê-la para transformá-la.


Não temos que cair em desespero por conta do aquecimento global; podemos agir. Se apenas assinarmos um abaixo-assinado e nos esquecermos dele, isto não ajudará muito. Ações urgentes devem ser tomadas a nível individual e coletivo. Todos nós temos o grande desejo de ser capaz de viver em paz e de ter sustentabilidade ambiental. O que a maioria de nós ainda não possui no cotidiano são os meios concretos de tornar os nossos compromissos por uma vida sustentável uma realidade. Ainda não nos organizamos. Não podemos apenas culpar nossos governos e corporações pelas substâncias químicas que poluem nossa água potável, pela violência em nossa vizinhança, pelas guerras que destroem tantas vidas. Chegou a hora de acordarmos e agirmos no contexto de nossas próprias vidas.


Testemunhamos violência, corrupção e destruição a nossa volta. Todos nós sabemos que as leis atuais não são suficientemente fortes para controlar a superstição, a crueldade e abusos de poder que vemos diariamente. Somente a fé e a determinação podem nos impedir de cair em profundo desespero.


O Budismo é a mais poderosa forma de humanismo que possuímos. Ele pode nos ajudar a viver com responsabilidade, compaixão e bondade amorosa. Todo praticante budista deve ser um protetor do ambiente. Temos o poder de decidir o destino do nosso planeta. Se acordarmos para a nossa verdadeira situação, haverá uma mudança em nossa consciência coletiva. Temos que fazer algo para acordar as pessoas. Temos que ajudar Buda a acordar as pessoas que estão vivendo em um sonho.


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UMA ÉTICA GLOBAL

O caminho da irmandade é mais precioso
 do que qualquer ideologia ou religião.
 
Tudo, até mesmo Buda, está mudando e evoluindo sempre. Graças a nossa prática de olhar em profundidade, podemos compreender que os sofrimentos do nosso tempo são diferentes daqueles do tempo de Sidarta, e, por conseguinte, os métodos de prática devem também ser diferentes. É por isso que o Buda dentro de nós também precisa evoluir, para ser relevante para o nosso tempo.

A Buda de nosso tempo pode usar um telefone, até mesmo um celular, mas ela está livre daquele celular. A Buda de nosso tempo sabe como ajudar a impedir os danos ecológicos e o aquecimento global; ela não destruirá a beleza do planeta ou desperdiçará todo o tempo dela competindo com outras pessoas.

A Buda de nosso tempo quer oferecer ao mundo uma ética global, para que todos possam concordar com um bom caminho a seguir. Harmonia global é impossível se não tivermos uma ética global. A Buda de nosso tempo quer restaurar a harmonia, cultivar a irmandade e proteger todas as espécies do planeta, impedir a desflorestamento e reduzir a emissão de gases tóxicos.

Como você é uma continuação de o Buda, você pode oferecer ao mundo um caminho que possa impedir a destruição do ecossistema, que possa reduzir a quantidade de violência e desespero. Seria muito bondoso de sua parte ajudar Buda a continuar realizando o que ele iniciou há dois mil e seiscentos anos atrás.

O nosso planeta Terra tem uma variedade de vida e cada espécie depende de todas as outras espécies para ser capaz de se manifestar e continuar. Não existimos somente do lado de fora do outro, mas também dentro do outro. É muito importante sustentar a Terra em nossos braços e em nossos corações, preservar o lindo planeta e proteger todas as espécies. O Sutra do Lótus menciona o nome de uma bodisatva especial, Dharanimdhara, ou a Portadora da Terra, como alguém que preserva e protege a Terra.

A Bodisatva Portadora da Terra é a energia que está nos sustentando em conjunto como um organismo. Ela é um tipo de engenheira ou de arquiteta cuja tarefa é a de criar espaço para vivermos nele, construir pontes para atravessarmos de um lado a outro, construir estradas para que possamos ir de encontro às pessoas que amamos. A tarefa dela é a de promover a comunicação entre seres humanos e outras espécies e proteger o ambiente. Diz-se que quando Buda tentou visitar Mahamaya, a mãe dele, que tinha falecido, Dharanimdhara foi quem construiu a estrada que ele percorreu. Embora a Bodisatva Portadora da Terra seja mencionada no Sutra do Lótus, ela não possui um capítulo só dela. Devemos reconhecer esta bodisatva para colaborar com ela. Devemos todos ajudar na criação de um novo capítulo para ela, pois, nesta era de globalização, uma Portadora da Terra é muito imprescindível.

Quando você contempla uma laranja, você vê que tudo naquela laranja participa no feitio da laranja. Não só os bagos da laranja pertencem à laranja, a casca e as sementes também são partes da laranja. É isso que chamamos de aspecto universal da laranja. Tudo na laranja é laranja, mas a casca continua sendo casca, a semente continua sendo semente, e os bagos continuam sendo bagos de laranja. O mesmo acontece com o nosso globo. Embora tenhamos nos tornado uma comunidade global, os franceses continuam sendo franceses, os japoneses continuam sendo japoneses, os budistas continuam sendo budistas e os cristãos continuam sendo cristãos. A casca da laranja continua sendo casa e os bagos continuam sendo bagos; bagos não têm que se transformar em casca para que haja harmonia.

No entanto, é impossível haver harmonia se não tivermos uma ética global, e a ética global que o Buda delineou são os Cinco Treinamentos da Consciência Plena. Os cinco treinamentos da consciência plena são o caminho que devemos seguir nesta era de crise global, porque eles são a prática da irmandade, da compreensão e do amor, e são práticas que nos protegem e protegem nosso planeta. Estes treinos são realizações concretas da mente consciente. Eles não são sectários, não carregam marca alguma de religião, raça ou ideologia; a natureza deles é universal. Dizemos sempre que não é necessário que as pessoas se considerem budistas para praticá-los. Você pode adotá-los sendo um cristão, judeu ou mulçumano, ou um cidadão francês, japonês, chinês ou americano. Tudo o que tem a capacidade de nos trazer consciência, tudo o que pode gerar compreensão, aceitação mútua e amor é parte do budismo, mesmo que termos budistas não estejam presentes. Você também pode inspirar os seus amigos a retornarem às raízes deles e descobrir o equivalente aos cinco treinamentos da consciência plena na própria tradição deles, seja islamismo, judaísmo, cristianismo ou qualquer outra tradição.

Quando você pratica os cinco treinamentos da consciência plena, você se torna um bodisatva ajudando a criar harmonia, a proteger o ambiente, a salvaguardar a paz e cultivar irmandade. Você não apenas salvaguarda as belezas da sua própria cultura, mas também as de outras culturas, e todas as belezas da Terra. Com os cinco treinamentos da consciência plena no seu coração você já está no caminho da transformação e cura.
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OS CINCO TREINAMENTOS DA CONSCIÊNCIA PLENA NT
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1. Respeito à vida
Ciente do sofrimento causado pela destruição da vida eu me comprometo a cultivar a compreensão profunda do interser e da compaixão, e aprender meios de proteger as vidas de pessoas, animais, plantas e minerais. Estou determinado (a) a não matar, a não permitir que outros matem, e não apoiar qualquer ato de matança no mundo, no meu pensamento ou modo de vida. Vendo que ações danosas surgem da raiva, medo, ganância e intolerância, que por sua vez surgem do pensamento discriminativo, eu cultivarei abertura, indiscriminação, e desapego a visões para transformar violência, fanatismo e dogmatismo em mim mesmo e no mundo.

2. Felicidade Verdadeira
Ciente do sofrimento causado pela exploração, injustiça social, roubo e opressão, comprometo-me a praticar a generosidade em meu pensamento, palavra e ação. Estou determinado (a) a não roubar e não possuir qualquer coisa que deveria pertencer aos outros, e partilharei o meu tempo, energia e recursos materiais com aqueles que estão necessitados. Praticarei a consciência profunda para compreender que a felicidade e sofrimento dos outros não estão separados da minha própria felicidade e sofrimento; que a verdadeira felicidade não é possível sem compreensão e compaixão; e que correr atrás de riqueza, fama e poder e prazeres sexuais pode trazer muito sofrimento e desespero. Estou ciente de que a felicidade depende de minha atitude mental e não de condições externas, e que eu posso viver alegremente no momento presente simplesmente lembrando que eu já tenho condições mais do que suficientes para ser feliz. Estou comprometido a praticar o Modo de Vida Correto para que eu possa ajudar a reduzir o sofrimento dos seres vivos sobre a Terra e reverter o processo de aquecimento global.

3. Amor Verdadeiro
Ciente do sofrimento causado pela má conduta sexual, eu me comprometo a cultivar responsabilidade e aprender formas de proteger a segurança e integridade dos indivíduos, casais, famílias e sociedade. Sabendo que o desejo sexual não é amor, e que a atividade sexual motivada por ânsia sempre prejudica tanto a mim como aos outros, estou determinado (a) a não me engajar em relações sexuais sem amor verdadeiro e um compromisso duradouro levado ao conhecimento dos meus familiares e amigos. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para proteger as crianças de abuso sexual e impedir que casais e famílias se separem devido à má conduta sexual. Compreendendo que corpo e mente é uno, comprometo-me a aprender formas apropriadas de cuidar da minha energia sexual e cultivar a bondade amorosa, compaixão, alegria e inclusão – que são os quatro elementos básicos do amor verdadeiro – para que eu e os outros desfrutemos de uma felicidade maior. Praticando o amor verdadeiro, sabemos que continuaremos lindamente em direção ao futuro.

4. Fala amorosa e escuta profunda
Ciente do sofrimento causado pela fala descuidada e inabilidade de escutar os outros, comprometo-me a cultivar a fala amorosa e a escuta compassiva para aliviar o sofrimento e promover a reconciliação e a paz dentro de mim de outras pessoas, grupos étnicos, religiosos e nações. Sabendo que palavras podem criar felicidade ou sofrimento, comprometo-me a falar verdadeiramente usando palavras que inspirem confiança, alegria e esperança. Estou determinado (a) a não falar quando a raiva estiver manifesta dentro de mim. Praticarei a respiração e o caminhar consciente para reconhecer e ter consciência profunda da minha raiva. Sei que as raízes da raiva podem ser encontradas em minhas percepções errôneas e incompreensão do sofrimento em mim e na outra pessoa. Falarei e ouvirei de um modo que possa ajudar a mim e a outra pessoa a transformar o sofrimento e encontrar uma saída às situações difíceis. Estou determinado (a) a não espalhar notícias que não sei se são verídicas, e a não proferir palavras que possam causar divisão ou discórdia. Praticarei a Diligência Correta para nutrir minha capacidade de compreensão, amor alegria e inclusão, e gradualmente transformar a raiva, a violência e o medo que repousam nas profundezas da minha consciência.

5. Nutrição e cura
Ciente do sofrimento causado pelo consumo irrefletido, eu me comprometo a cultivar saúde física e mental, para mim, minha família e sociedade, ao comer, beber e consumir conscientemente. Praticarei a contemplação profunda de como estou consumindo Os Quatro Tipos de Nutrientes: alimentos comestíveis, impressões sensoriais, volição e consciência. Estou determinado (a) a não participar de jogos de azar, ou usar bebidas alcoólicas, drogas ou quaisquer outros produtos que contenham toxinas, como alguns websites, jogos eletrônicos, programas de televisão, filmes, revistas, livros e conversas. Praticarei retornando ao momento presente para estar em contato com os elementos revigorantes, saudáveis e nutritivos dentro de mim e à minha volta, não permitindo que remorsos e aflições me arrastem de volta ao passado, e não permitindo que ansiedades, medos ou desejos ardentes me levem pra fora do momento presente. Estou determinado (a) a não tentar encobrir a solidão, ansiedade ou outro sofrimento me entregando ao consumo. Contemplarei o interser e consumirei de um modo que preserve paz, alegria e bem estar no meu corpo e consciência, e no corpo e consciência coletiva da minha família, sociedade e da Terra.

No primeiro treinamento nos determinamos a apreciar toda vida existente na Terra e a não apoiar quaisquer atos de matança. No segundo treinamento nos empenhamos a praticar a generosidade e a não apoiar injustiça social e opressão. No terceiro treinamento, comprometemo-nos a nos comportar responsavelmente em nossos relacionamentos e a não nos envolver em má conduta sexual. O quarto treinamento requer que pratiquemos a fala amorosa e a escuta profunda para aliviar o sofrimento nosso e dos outros.
A prática do consumo consciente e alimentação consciente é objeto do quinto treinamento da consciência plena. Este quinto treinamento é o caminho de saída da situação difícil que o nosso mundo se encontra. Quando praticamos o quinto treinamento, identificamos exatamente o que devemos consumir e não consumir para manter saudáveis nossos corpos, nossas mentes e a Terra, e a não causar sofrimento a nós mesmos e aos outros. O consumo consciente é o método para nos curar e curar o mundo. Enquanto família espiritual e humana, todos nós podemos evitar o aquecimento global seguindo esta prática. Devemos nos tornar cientes da presença da bodisatva Portadora da Terra em cada um de nós. Devemos nos tornar as mãos e os braços da Portadora da Terra para sermos capaz de agir rapidamente.
Você pode ter ouvido que Deus está dentro de nós, ou que Buda está dentro de nós. Mas para a maioria de nós esta é uma noção abstrata. Temos uma idéia tão vaga daquilo que Buda ou Deus realmente é. Na tradição budista, Buda mora dentro de nós enquanto energia – a energia da consciência plena, a energia da concentração, e a energia do discernimento – que fará surgir compreensão, compaixão, amor, alegria, sentimento de amizade e indiscriminação. Alguns dos nossos amigos da tradição cristã falam do Espírito Santo como sendo a energia de Deus. Onde quer que o Espírito Santo esteja, existe cura e amor. Podemos falar da mesma maneira sobre a mente consciente, concentração e discernimento. A energia da mente consciente, concentração e discernimento fazem surgir compreensão, compaixão, perdão, alegria, transformação e cura. Esta é a energia de Buda. Se esta energia reside em você, você é uma ou um Buda, pelo menos naquele momento. E esta energia pode ser cultivada e pode se manifestar plenamente em você.
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NT O texto dos Cinco Treinamentos da Consciência aqui apresentado é a versão atualizada e divulgado em julho 2009 no site www.plumvillage.org

DIETA PARA UM PLANETA CONSCIENTE

Buda uma vez contou a seguinte estória aos monges dele:

Um casal e o seu filho mais novo estavam cruzando um vasto deserto a caminho de buscarem asilo em outra região. Mas eles não tinham planejado bem e, no meio do deserto, estavam somente na metade do caminho quando ficaram sem comida. Percebendo que todos os três iriam morrer no deserto, os pais tomaram uma decisão horripilante: matar e comer o próprio filho. Toda manhã eles comiam um pedacinho da carne do filho, o suficiente para ter energia de caminhar um pouco mais adiante, o tempo todo chorando. “Onde está o nosso garotinho?” Eles carregavam o restante da carne do filho nos ombros, para que continuasse secando ao sol. Toda noite o casal olhava um para o outro e perguntava: “Onde o nosso amado filho está agora?” E choravam e puxavam os cabelos, e consternados batiam no peito. Finalmente, eles foram capazes de cruzar o deserto e chegar à nova terra.

Quando Buda terminou de contar esta estória, perguntou aos monges: “Vocês acham que este casal gostou de comer a carne do filho deles?”
“Não,” responderam os monges. “Esses pais sofreram terrivelmente quando tiveram que ingerir a carne do filho.”

Então Buda disse: “Nós temos que praticar nos alimentando de um modo tal que retenha compaixão em nosso coração. Temos que comer em estado de consciência plena. Senão comeremos a carne de nossos próprios filhos.”

No Sutra “A Carne do Filho”, Buda nos ensina a praticar o consumo consciente para preservar o nosso futuro. O nosso futuro pode ser sempre vislumbrado em nosso presente. Se o presente parecer de um jeito, o futuro provavelmente parecerá o mesmo, pois o futuro é feito do presente. Portanto, para salvaguardarmos nosso futuro temos que fazer mudanças no presente. Se aplicarmos o Sutra “A Carne do Filho” em nosso cotidiano, seremos capazes de nos salvar e salvar o nosso planeta.

A situação em que a Terra se encontra hoje foi construída pela produção inconsciente e pelo consumo inconsciente. Estamos violentando nossos lares e estamos nos defrontando com o aquecimento global e mudanças climáticas catastróficas. Criamos um ambiente que é conducente à violência, ódio, discriminação e desespero.

No mundo moderno as pessoas pensam que os seus corpos lhes pertencem, e que elas podem fazer o que quiserem consigo mesmas. “Temos o direito de viver nossas próprias vidas,” dizem elas. A lei apóia tal declaração; esta é uma das manifestações do individualismo. Mas de acordo com o ensinamento de Buda, o seu corpo não é seu. O seu corpo pertence aos seus ancestrais, aos seus pais e às futuras gerações. Ele também pertence à sociedade e a todos os outros seres vivos. Todos eles se reuniram – as árvores, as nuvens, o solo, tudo – para trazer a presença deste corpo. Nossos corpos são como a Terra. E existe a Bodisatva Portadora da Terra, sustentando tudo em conjunto.

Manter o seu corpo saudável é uma forma de expressar gratidão e lealdade a todo o cosmos, a todos os ancestrais e futuras gerações. Se formos saudáveis, todos podem se beneficiar disso – não apenas os seres humanos, mas também os animais, plantas e minerais. Este é um preceito do bodisatva. Quando praticamos os cinco treinamentos da consciência plena nós já estamos no caminho de um (a) bodisatva.

Nós somos o que consumimos. Se olharmos profundamente para o quanto e quais itens consumimos diariamente, iremos conhecer muito bem a nossa própria natureza. Temos que comer, beber e consumir, mas se fizermos isto irrefletidamente, podemos destruir nosso corpo e nossa consciência, demonstrando ingratidão para com os nossos ancestrais, nossos pais e futuras gerações. Todos nós sabemos que às vezes abrimos o refrigerador e tiramos um item que não é bom para nossa saúde. Somos inteligentes o bastante para reconhecer isto. Mas mesmo assim continuamos e comemos aquilo para tentar cobrir a inquietação dentro de nós. Consumimos para esquecer nossas preocupações e nossas ansiedades. A prática recomendada por Buda é a de que quando um sentimento de ansiedade ou medo surge, não devemos tentar suprimi-lo através do consumo. Ao invés, convidamos a energia da mente consciente a se manifestar. Praticamos caminhando conscientemente e respirando conscientemente para gerar a energia da consciência plena, e solicitamos a esta energia que cuide da energia que está nos fazendo sofrer. Se não praticarmos, não teremos suficiente energia de consciência plena para cuidar do nosso medo, da nossa raiva, e é por isso que consumimos para reprimir tais energias negativas.

Buda recomenda que cada monge e monja tenham uma tigela para levar à ronda da mendicância. O termo budista para a tigela de mendicância é “recipiente de medida apropriada”. Visto que a tigela é exatamente do tamanho correto, sempre sabemos o quanto comer. Nunca comemos demais, porque comer muito trás doença aos nossos corpos. Obesidade se tornou um imenso problema de saúde na sociedade ocidental, enquanto povos nos países pobres não têm o suficiente para comer.

Ignoramos a regra da moderação. Consciência plena da alimentação nos ajuda saber o que e o quanto devemos comer. Devemos nos servir somente do que podemos comer. Eu sugiro, para a maioria de nós, que nos sirvamos menos do que estamos habituados a comer diariamente. Vemos que pessoas que consomem menos são mais saudáveis e mais alegres, e àquelas que consumem muito podem sofrer muito profundamente. Se mastigarmos cuidadosamente, se comermos somente o que é saudável, não iremos levar doenças para dentro de nossos corpos e mentes. Não iremos comer a carne dos nossos ancestrais, filhos e netos.

Quando comemos com a mente consciente, estamos em contato íntimo com a comida. O alimento que comemos chega até nós a partir da natureza, dos seres vivos e do cosmos. Tocá-la com a nossa total consciência é mostrar nossa gratidão. Comer conscientemente pode ser uma grande alegria. Nós pegamos a comida com o nosso garfo, olhamos para ela por alguns instantes antes de colocá-la na boca, e então a mastigamos cuidadosamente e conscientemente, pelo menos cinqüenta vezes. Praticando desta forma, estamos em contato com todo o cosmos.

Existem tipos de alegria que podem ser nutritivas e saudáveis, trazem-nos calma, conforto e nos deixam cheios de paz e frescor, e nos ajudam a permanecer claros e lúcidos. Este é o tipo de alegria que precisamos. Existem outros tipos de alegria que podem nos trazer muito sofrimento posterior: a alegria de ingerir alimentos prejudiciais à saúde, bebidas alcoólicas, doces em demasia, que trazem toxinas para dentro do nosso corpo. Temos que distinguir entre estes dois tipos de alegria. Uma é saudável e nutritiva e a outra destrutiva.

O alimento que comemos pode revelar a interconexão do universo, da Terra, de todos os seres vivos e de nós mesmos. Cada mordida no vegetal, cada gota de molho de soja, cada pedaço de tofu NT contém a vida do sol e da Terra. Podemos ver e provar todo o universo em um pedaço de pão! Podemos ver o significado e valor da vida nestes preciosos pedacinhos de comida.

Ter a oportunidade de sentar com a família e amigos e saborear um magnífico alimento é algo precioso, algo que nem todo mundo tem. Muitas pessoas no mundo estão passando fome. Quando eu seguro uma tigela de arroz ou um pedaço de pão, sei que sou afortunado e sinto compaixão daqueles que não têm o que comer e estão sem amigos ou família. Esta é uma prática muito profunda. Não precisamos ir a um templo ou uma igreja para praticar isto. Podemos praticar isto à nossa mesa de jantar. Comendo conscientemente podemos cultivar as sementes da compaixão e compreensão que fortalecerão nossa determinação de fazer algo para ajudar a nutrir as pessoas famintas e solitárias.

Uma coisa que podemos fazer é considerar o quanto de carne nós consumimos. Por mais de dois mil anos, muitos budistas têm sido vegetarianos com o propósito de nutrir compaixão pelos animais. Agora nós também descobrimos que mudar para uma dieta vegetariana pode ser uma das maneiras mais efetivas de lutarmos contra a fome mundial e o aquecimento global. A prática de criar animais para alimentação tem criado alguns dos piores prejuízos ambientais no planeta e é responsável por um quarto das emissões de gás do efeito estufa.

A nossa forma de comer e produzir alimento pode ser muito violenta para outras espécies, para os nossos próprios corpos e para a Terra. A Mãe Terra sofre profundamente por causa da maneira como nos alimentamos. Animais criados para abate é a maior fonte mundial de poluição de água; os dejetos das fábricas das fazendas e açougues escorrem para nossos rios, córregos e água potável. Somente nos Estados Unidos centenas de milhões de acres de florestas foram devastadas para plantar milho para alimentar animais de criação. As preciosas florestas tropicais que mantém o frescor do nosso planeta e provêm moradas para a maioria das espécies de plantas e animais da Terra estão sendo queimadas e limpas para criar terras de pastos para o gado.

Grande parte dos milhões de toneladas de grãos que plantamos não é usada para alimentar as pessoas, mas sim para criar gado para o abate e para produzir bebidas alcoólicas. Uma agência de proteção ambiental relata sobre a produção da agricultura de milho nos Estados Unidos no ano 2000 que de acordo com a National Corn Growers Association, cerca de 80% de todo milho plantado nos Estados Unidos é consumido pelos semoventes de fazendas ou granjas de criação nacionais e estrangeiras, produção de aves domésticas e peixe.3 Quando você segura um pedaço de carne e olha profundamente para ela, verá que uma quantidade imensa de grãos e água foi usada para fazer aquele único pedaço de carne. Uma enorme quantidade de grãos e água também é usada para fazer álcool. Todo dia dezenas de milhares de crianças morrem de fome e desnutrição; aquele grão poderia alimentá-las. Quando ingerimos bebida alcoólica em estado de consciência plena, compreendemos que estamos bebendo o sangue de nossos filhos. Estamos comendo nossos filhos, nossa mãe e o nosso pai. Estamos devorando a Terra.

Temos que pressionar as indústrias de semoventes para mudarem. Se pararmos de consumir elas pararão de produzir. Ao comer carne nós compartilhamos a responsabilidade de causar mudança climática, as destruições das florestas, e envenenamento do nosso ar e água. O simples ato de se tornar um vegetariano pode fazer uma diferença na saúde de nosso planeta. Se você não consegue parar completamente de comer carne, você ainda assim pode decidir se esforçar para diminuir. Retirando carne da sua dieta por dez ou mesmo cindo dias por mês, você já estará realizando um milagre – um milagre que ajudará a resolver o problema da fome nos países em desenvolvimento e reduzir dramaticamente os gases do efeito estufa.

A cada refeição, fazemos escolhas que ajudam ou prejudicam a Mãe Terra. “O que devo comer hoje?” é uma pergunta profunda. Pode ser que você queira fazer esta pergunta a si mesmo toda manhã. Você pode descobrir que, na medida em que pratica o consumo consciente e começa a olhar profundamente para o que come e bebe, o seu desejo por carne e bebida alcoólica diminuirá.

Em muitas tradições budistas, monges e monjas são vegetarianos. Muitos praticantes budistas laicos na China e Vietnã também são vegetarianos e existem outros que se abstém de comer carne dez dias por mês. Eu recomendo veementemente a todos que cortem os seus consumos de carne ao menos pela metade. Durante as minhas mais recentes visitas aos Estados Unidos, muitos praticantes budistas americanos me disseram que eles tinham se comprometido a parar de comer carne ou a comer cinqüenta por cento menos. Este é um despertar coletivo que já está acontecendo. Se conseguirmos assumir o compromisso de nos tornar vegetarianos, ou parcialmente vegetarianos, sentiremos bem-estar – teremos paz, alegria e felicidade desde o momento em que assumimos este compromisso. Nosso despertar coletivo pode criar mudanças no mundo inteiro.

Temos que praticar o consumo consciente para nos proteger, proteger nossas famílias, sociedades e planeta. Crianças, professores e pais todos podem praticar o consumo consciente. Os líderes de organizações e comunidades podem praticar o consumo consciente e encorajar outras pessoas a seguir seus exemplos. Se você fosse um Prefeito, iria querer proteger as pessoas da sua cidade do consumo irrefletido que traz mais violência e sofrimento para a sua cidade. Até o presidente da nação mais poderosa do mundo pode ser encorajado a consumir mais conscientemente. Até o presidente tem natureza búdica – a semente da compreensão e compaixão – em algum lugar dentro dele.

Quando somos capazes de sair da casca do nosso pequeno eu e ver que estamos inter-relacionados com todos e com tudo compreendemos que todos os nossos atos afetam toda humanidade e todo o cosmos. Manter o seu corpo saudável é um ato amoroso dirigido aos seus ancestrais, aos seus pais, futuras gerações e sociedade. Saúde não significa apenas saúde física, mas também saúde mental. Consumo consciente traz saúde e cura para nós mesmos e para o nosso planeta.

Existem outras coisas que consumimos além dos alimentos, e o consumo consciente também inclui estas coisas. No Discurso sobre os quatro tipos de alimentos, Buda fala de alimentos como apenas uma das quatro fontes de consumo nosso. A segunda fonte é chamada de impressões sensoriais. Consumimos através dos olhos, ouvidos, nariz, corpo e consciência. Consumimos quando assistimos a um filme, lemos um artigo na revista, vemos uma propaganda, escutamos uma conversa.

Às vezes o que consumimos é música relaxante, o cheiro do frescor do jardim, ou a beleza do mundo a nossa volta. Mas geralmente o que consumimos contém muita toxina. Quando você dirige pela cidade, consome – as propagandas que você vê penetram em você. Quando você tem uma conversa com alguém cujas palavras estão cheias de ódio e violência, estas palavras ficam em você. Em média, quando uma criança nos Estados Unidos conclui a escola elementar, ela terá assistido mais de oito mil assassinatos e mais de cem mil atos de violência na televisão.4 Isto já é um consumo muito tóxico no corpo de uma criancinha. Todos os venenos que ingerimos através do corpo e da consciência destroem o corpo e a consciência que os nossos pais e ancestrais nos transmitiram.

Para ilustrar o consumo sensorial, Buda contou a estória de uma vaca com doença de pele. A doença de pele era tão severa que a vaca tinha perdido partes da sua pele, deixando-a vulnerável a todos os insetos que vinham sugar o sangue ou comer a carne dela. A vaca não tinha meios de se proteger. Quando ela era levada para perto de uma árvore antiga, todas as minúsculas criaturas que viviam na casca da árvore rastejavam ou voavam para pousar na vaca. Quando a vaca se deitava, os ínfimos seres vivendo no solo se levantavam e se fixavam na vaca. E quando a vaca era levada até a água, as criaturazinhas da água vinham comer e sugar o sangue da vaca. Sem consciência plena, nós somos como uma vaca sem pele, permitindo que as toxinas penetrem em nós e nos destruam.

O terceiro nutrimento que consumimos é o alimento das nossas intenções e volição. Esta é a nossa intenção profunda, o que queremos fazer da nossa vida. Nosso desejo de fazer algo pode nos dar um bocado de energia. Buda dá um exemplo muito claro:

Um rapaz em boa saúde vive numa cidadezinha. Fora da cidadezinha há um grande abismo cheio de carvões em brasa. Se alguém caísse dentro daquele abismo ficaria terrivelmente queimado. A pessoa sofreria muito e poderia morrer. Um dia dois homens fortes tentam puxar este rapaz em direção do abismo. Ele não quer ir lá. Ele sabe que se cair dentro do abismo sofrerá incrivelmente e poderá até mesmo morrer. Mas os fortes homens estão puxando ele naquela direção.

Estes dois homens fortes estão nos puxando; eles representam nossos desejos ardentes. Se quisermos ser famosos, esta intenção pode ser muito forte e pode nos puxar em direção daquele abismo cheio de sofrimento. O mesmo se dá se quisermos ter honra ou elogio. Uma ânsia por sexo pode também nos puxar em direção daquele abismo e criar muito sofrimento. Se tivermos ânsia de ganhar dinheiro, esta ânsia pode sair nos puxando. Nossos desejos ardentes nos consomem sem deixar espaço para consciência ou atenção.

O quarto nutrimento que consumimos é o alimento da consciência. Este se refere a nossa consciência como um todo – não só à nossa mente consciente, como também à nossa mente inconsciente. Esta é a estória contada por Buda sobre o alimento da consciência:

Um criminoso tinha recebido pena de morte. O rei ordenou aos soldados dele que o capturassem e prendessem e o trouxesse de volta à cidadezinha. Quando isto tinha sido feito, os soldados perguntaram ao rei o que eles deveriam fazer com o criminoso. O rei disse: “pela manhã, levem-no para fora e o apunhalem cem vezes.” Então eles fizeram isto. Mais tarde o rei perguntou a eles: “E o criminoso, vocês o apunhalaram cem vezes?” Eles responderam, “Sim, Sua Majestade, mas ele não morreu.” Então o rei disse: “Levem-no para fora de novo ao meio dia e o apunhalem cem vezes.” Depois de terem feito isso o rei perguntou: “O que aconteceu?” Os soldados responderam: “Ele não morreu.” Então o rei disse, “Levem-no para fora durante a noite e o apunhalem cem vezes.”

Talvez a esta altura ele tenha morrido. O Sutra não diz. Buda perguntou: “O que vocês acham monges, este homem sofreu?” E os monges disseram: “Senhor Buda ser apunhalado cem vezes é um sofrimento insuportável. Mas trezentas vezes é inimaginável.

Nós fomos apunhalados muitas vezes nos níveis profundos de nossa consciência. Mesmo antes de a espécie humana aparecer por lá já havia muito sofrimento sobre a Terra. Isto é o que o Budismo chama de A Primeira Nobre Verdade, que a vida envolve sofrimento, dukkha. Seja este doença, raiva, desespero ou depressão, nós podemos chamá-lo pelo seu nome. Todo o sofrimento que nossos ancestrais experienciaram está dentro de nós. Este tipo de sofrimento que o Buda fala a respeito quando o criminoso é espancado tantas vezes. Ele continua em nossa vida diária. Nós nos ferimos pelo que alguém disse e sentimos que aquela pessoa nos apunhalou. E nossos próprios pensamentos podem nos apunhalar centenas de vezes todo o dia.

No entanto, nosso sofrimento não é só nosso. Isto faz parte da Segunda Nobre Verdade do Budismo. É o sofrimento de todas as gerações anteriores, humanas e não humanas. É também o sofrimento da consciência coletiva do nosso próprio tempo. Temos nossa herança genética, mas também interexistimos com todas as espécies vivas conosco agora neste planeta. Podemos não viver numa zona de guerra, mas em níveis mais profundos da nossa consciência recebemos os efeitos do sofrimento do povo que vive onde existe guerra. Nossa mente consciente pode nunca saber disso, mas a nossa mente inconsciente está a par do sofrimento que está acontecendo em todo lugar.

Quando você estiver sofrendo é proveitoso reconhecer de onde o seu sofrimento vem – se é da consciência coletiva, da sua herança genética, ou de algo que alguém disse a você há pouco tempo atrás. Enquanto pensarmos “aquela pessoa é a culpada pelo meu sofrimento”, será muito difícil para nós transformá-lo. Se pensarmos que o aquecimento global é o culpado pelo nosso sofrimento, e não virmos nossa herança genética e todos os outros fatores será muito difícil transformar este sofrimento. Mas se virmos nossos sofrimentos como parte de uma consciência maior, isto alivia a nossa própria dor e o nosso sofrimento pode cessar. Esta é a Terceira Nobre Verdade: o bem-estar.

A Quarta Nobre Verdade do Budismo é que nosso sofrimento pode terminar se seguirmos um caminho de consciência. Se nós, enquanto raça humana, não praticarmos o consumo consciente dos quatro tipos de nutrimentos não conseguiremos salvar nosso planeta. Precisamos da iluminação, não apenas de uma pessoa, mas a iluminação coletiva de toda a raça humana. Nossa prática deve produzir este despertar coletivo. Cada um de nós tem que tocar Buda dentro de si todo dia, para que o despertar possa se manifestar dentro de nós e nas pessoas a nossa volta. Somente o despertar consegue salvar nosso planeta.

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[1] Food First Policy Brief # 13; por Eric Holt-Giménez e Isabella Kenfield, Março 2008. “A agricultura industrial dominada pelas corporações multinacionais são amplamente responsáveis pela criação de um sistema de alimentação global distorcido onde um bilhão sofre de obesidade enquanto oitocentos e quarenta milhões de pessoas passam fome.” foodfirst.org/en/node/2064.
NT Tofu é um tipo de queijo feito do leite de soja.
2 Livestock’s Long Shadow: Environmental Issues and Options (Nov.29, 2006) United Nations Food and Agriculture Organizations (FAO). “O setor dos animais de criação emergem como um dos dois ou três mais significantes contribuintes aos mais sérios problemas ambientais, a nível local e global... A contribuição da criação de animais para os problemas ambientais é de proporção massiva e a sua contribuição em potencial para as soluções destes problemas também são igualmente grandes. O impacto é tão significante que precisa ser tratado com urgência.” http://www.virtualcentre.org/en/frame.htm
4  The Soucebook for Teaching Science (July, 2008) por Dr. Norman Herr, California State University, Northridge. http://www.csun.edu/science/health/docs/tv&health.html

NATUREZA E NÃO VIOLÊNCIA

Suponha que pegamos uma semente de milho e a plantamos num chão úmido. Cerca de uma semana depois a semente brotará. Depois de uns três dias, podemos chegar e perguntar a muda de milho: “Querida muda, lembra-se do tempo que você ainda era uma semente?” A muda pode ter se esquecido, mas como nós a estivemos observando, sabemos que o novo talinho de milho realmente veio da semente de milho.


Quando olhamos para a planta, não mais vemos a semente, e podemos pensar que a semente morreu. Mas a semente não morreu; ela se tornou a planta. Se você for capaz de ver a semente de milho na muda de milho, você tem o tipo de sabedoria que Buda chama de sabedoria da indiscriminação. Você não discrimina entre semente e planta. Você compreende que elas interexistem uma na outra, que elas são a mesma coisa. Você não consegue retirar a semente da planta e não consegue retirar a planta da semente. Olhando profundamente para a pequenina muda de milho, você poderá ver a semente de milho, ainda viva, mas com uma nova aparência. A planta é a continuação da semente.


A prática de meditação nos ajuda a ver coisas que outras pessoas não conseguem ver. Olhamos profundamente e vemos que pai e filho, pai e filha, mãe e filho, mãe e filha, semente de milho e muda de milho têm um relacionamento muito íntimo. Por isso devemos praticar para nos acordar para o fato, para a verdade, de que nós inter-somos. O sofrimento de um é o sofrimento do outro. Se os muçulmanos e os cristãos, os hindus e os muçulmanos, os israelitas e os palestinos compreenderem que eles são irmãos e irmãs uns dos outros, que o sofrimento de um lado é também o sofrimento do outro lado, as guerras deles acabarão. Quando compreendermos que nós e todos os seres vivos somos feitos da mesma natureza, como poderá haver divisão entre nós? Como poderá haver desarmonia? Quando compreendermos a nossa natureza de interexistência, pararemos de acusar, de explorar e de matar, porque saberemos que nós inter-somos. Este é o maior discernimento que devemos ter para que a Terra seja salva.


Nós, seres humanos, sempre estivemos nos separando do resto do mundo natural. Classificamos os outros animais e seres vivos como “natureza”, algo independente de nós, e agimos como se fôssemos separados dela. Então perguntamos: “Como deveríamos lidar com a natureza?” Deveríamos lidar com a natureza do mesmo jeito com que deveríamos lidar conosco: sem violência. Seres humanos e natureza são inseparáveis. Da mesma forma como não deveríamos nos causar prejuízos, nós não deveríamos prejudicar a natureza. Prejudicar a natureza é nos prejudicar e vice-versa.


Causar danos a outros seres humanos nos causa prejuízos. Acumular riquezas e possuir porções excessivas dos recursos naturais do mundo priva os companheiros humanos da chance de viver. Participar em um sistema social injusto e opressivo cria e aprofunda o abismo entre ricos e pobres, e agrava a situação de injustiça social. Toleramos os excessos, injustiça e guerra, sem perceber que a raça humana sofre como uma família. Enquanto o resto da família humana sofre e morre de fome, o prazer da falsa segurança e riqueza é uma delusão.


Está claro que o destino de cada indivíduo está inextricavelmente ligado ao destino de toda a raça humana. Devemos permitir aos outros viverem se nós mesmos quisermos viver. A única alternativa da coexistência é a co-inexistência. Uma civilização onde devemos matar e explorar os outros para viver não é uma civilização saudável. Para criar uma civilização saudável, todos devem ter acesso igual à educação, trabalho, alimentação, abrigo, cidadania mundial, ar e água puros, e à habilidade de circular livremente e se estabelecer em qualquer parte da terra. Sistemas políticos e econômicos que negam estes direitos a alguém prejudicam a família humana como um todo. É necessário ter consciência do que está acontecendo à família humana, para reparar os prejuízos já feitos.


Para brotar paz na família humana, devemos trabalhar pela coexistência harmoniosa. Se continuarmos a nos excluir do resto do mundo, aprisionando-nos em preocupações estreitas e problemas imediatos, é improvável que criemos paz ou sobrevivamos. A raça humana é parte da natureza. Temos que ter este discernimento antes de conseguirmos harmonia entre os povos. Crueldade e rompimento destroem a harmonia da família humana e destrói a natureza. Entre as medidas saudáveis necessárias está uma legislação que não seja violenta para nós mesmos e para a natureza, e que nos ajude a evitar rupturas e crueldade.


Cada indivíduo e a humanidade como um todo são partes da natureza e deveriam ser capazes de viver em harmonia com a natureza. A natureza pode ser cruel e dilaceradora. Mas precisamos tratar a natureza da mesma maneira com que nos tratamos enquanto indivíduos e enquanto uma família humana. Se tentarmos dominar ou oprimir a natureza, ela se rebelará. Temos que ser amigos profundos da natureza para administrar certos aspectos dela e nos harmonizar com o nosso ambiente. Isto requer uma compreensão total da natureza. Furacões, tornados, secas, enchentes, erupções vulcânicas, proliferação de insetos perniciosos tudo constitui um perigo à vida. Podemos, em grande medida, impedir a destruição que os desastres naturais causam trabalhando com a terra desde o início, e fazendo planos e elaborando decisões que levem em consideração a natureza da terra ao invés de tentar impor controle total sobre ela com represas, desmatamento e outros dispositivos e políticas que no final causam mais prejuízos.


Um exemplo do que acontece quando tentamos controlar demais a natureza é o nosso uso excessivo de pesticidas, que matam indiscriminadamente muitos insetos e pássaros e desarranja o equilíbrio ecológico. Crescimento econômico que devasta a natureza poluindo e exaurindo os recursos não renováveis impossibilita os seres de viver sobre a Terra. Tal crescimento econômico pode parecer que está beneficiando temporariamente alguns humanos, mas na realidade violenta e destrói a natureza como um todo.


A harmonia e equilíbrio dentro do indivíduo, da sociedade e natureza estão sendo destruídos. Os indivíduos estão doentes, a sociedade está doente e a natureza está doente. Devemos restabelecer harmonia e equilíbrio, mas como? Onde podemos começar o trabalho de cura – no indivíduo, na sociedade ou ambiente? Devemos trabalhar em todas as três esferas de ação. Pessoas de áreas distintas tendem a enfatizar suas áreas particulares. Por exemplo, os políticos acham necessária uma recomposição da sociedade para a salvação dos humanos e da natureza e, portanto, urgem que todos se engajem na luta por mudanças no sistema político.


Os monges budistas são como psicoterapeutas no sentido de que tendemos a olhar o problema a partir da visão da saúde mental. A meditação objetiva criar harmonia e equilíbrio na vida do indivíduo. A meditação budista lida com corpo e mente, usando a respiração como um instrumento que acalma e harmoniza o ser humano como um todo. Como em qualquer prática terapêutica, o paciente é colocado num ambiente que favorece a restauração da harmonia. Geralmente os psicoterapeutas gastam o tempo deles observando e depois aconselhando os seus pacientes. Mas eu conheço alguns que, como os monges, observam primeiramente eles mesmos, reconhecendo a necessidade de primeiro se libertarem dos medos, ansiedades e desespero que existe em todos nós. Muitos terapeutas tendem a pensar que eles mesmos não têm quaisquer problemas mentais, mas o monge reconhece nele mesmo suas susceptibilidades aos medos e ansiedades e à doença mental causada pela desumanidade dos nossos sistemas sociais e econômicos atuais.


Os praticantes budistas acreditam que a natureza interconectada do indivíduo, da sociedade e ambiente físico se revelará a nós na medida em que nos recuperarmos e formos gradualmente deixando de ser possuídos pela ansiedade, medo e dispersão mental. Dentre os três domínios – indivíduo, sociedade, natureza – é o indivíduo quem começa a efetuar mudanças. Mas pra efetuar mudanças, o indivíduo deve estar são. Como isto requer um ambiente favorável à cura, o indivíduo deve buscar um estilo de vida que não seja destrutivo. Nossos esforços para mudar a nós mesmos e mudar o ambiente são ambos necessários, mas um não pode acontecer sem o outro. Nós sabemos o quão difícil é mudar o ambiente se os indivíduos estiverem desequilibrados. Nossa saúde mental requer que o esforço para recuperarmos a nossa humanidade seja de caráter prioritário.


Restaurar a saúde mental não significa simplesmente ajustar a pessoa ao mundo moderno de rápido crescimento econômico. O mundo está doente e a adaptação a um ambiente doentio não pode trazer saúde verdadeira. Muitas pessoas que precisam de psicoterapia são realmente vítimas da vida moderna que nos separa um do outro e do resto da família humana. Uma forma de ajudar é nos mudando para uma área rural onde temos a chance de cultivar a terra, plantar nossa própria comida, lavar nossas roupas num rio de água clara e viver de forma simples, compartilhando a mesma vida como àquela de milhões de camponeses ao redor do mundo.


Para a terapia ser efetiva, precisamos de mudança ambiental. Atividades políticas é um recurso, mas elas não são o único recurso. Tranqüilizarmo-nos com o consumo excessivo não é o caminho. O envenenamento do nosso ecossistema, as explosões de bombas, a violência em nossas vizinhanças e na sociedade, as pressões do tempo, barulho e poluição, as solitárias multidões – tudo isso foi criado no curso do nosso desenvolvimento econômico e são fontes de doença mental. O que quer que façamos para por um fim a estas causas é medicina preventiva.


Manter nossa saúde mental como a prioridade número um significa que devemos também reconhecer nossa responsabilidade para com a família humana como um todo. Devemos trabalhar para evitar que outras pessoas adoeçam ao mesmo tempo em que salvaguardamos a nossa própria humanidade. Quer sejamos monges, monjas, professores, terapeutas, artistas, carpinteiros ou políticos, nós também somos seres humanos. Se não pusermos em prática o que tentamos ensinar aos outros, ficaremos mentalmente doentes. Se apenas continuarmos vivendo, concordantes com o status quo gradualmente nos tornamos vítimas do medo, ansiedade e egotismo.


Uma árvore se revela ao artista quando o artista consegue estabelecer certo relacionamento com ela. Alguém que não é suficientemente humano pode olhar para seus companheiros humanos e não os ver pode olhar para uma árvore e não a ver. Muitos de nós não conseguimos ver coisas porque nós mesmos não estamos sãos. Quando estamos sãos, conseguimos compreender como uma pessoa, por viver plenamente, consegue demonstrar a todos nós que a vida é possível, que um futuro é possível. Mas a questão “o futuro é possível?” não tem sentido se não formos capazes de ver os milhões de companheiros humanos que sofrem, vivem e morrem a nossa volta. Somente depois de termos realmente visto eles, seremos capazes de nos ver e ver a natureza.


Relembrem o tsunami do Oceano Índico em 2004, que matou centenas de milhares de pessoas na Indonésia, Sri Lanka, Tailândia, Índia e África. Gente que tinha vindo da Europa, Austrália e dos Estados Unidos de férias também morreram no tsunami. Todos nós sofremos em várias partes do mundo e perguntávamos por quê? Por que Deus permitiu que uma coisa dessas acontecesse? Por que estas pessoas tiveram que morrer? Eu também sofri. Mas eu pratiquei.  Eu me sentei e pratiquei contemplando profundamente. E o que vi foi que quando estas pessoas morreram, nós também morremos com elas, porque nós interexistimos com elas.


Você sabe que quando o seu amado morre uma parte de você também morre; de algum modo você morre com o seu amado. Isto é fácil de compreender. Então se tivermos compreensão e compaixão, quando virmos outras pessoas, mesmo estranhas, morrendo do outro lado do mundo, nós sofremos e morremos com elas. O que descobrimos é que elas morrem por nós. Então temos que viver por elas. Devemos viver de um modo tal que o futuro seja possível para os nossos filhos e os filhos deles. Se as mortes deles terão significado dependerá do nosso modo de viver. É este o insight do inter-ser. Eles são nós e nós somos eles. Quando eles morrem, nós também morremos. Quando continuamos a viver, eles continuam a viver conosco. Com este discernimento você sofre menos e sabe como continuar. Você carrega todos eles dentro de si e, sabendo disso, você tem paz.

Praticar a consciência plena e olhar profundamente dentro da natureza das coisas é descobrir a verdadeira natureza delas, a natureza da inter-existência. Nós encontramos paz e podemos gerar a força que precisamos para estar em contato com tudo. Com esta compreensão podemos facilmente sustentar o trabalho de amar e cuidar da Terra e uns dos outros por muito tempo.

UMA BELA CONTINUAÇÃO

Quando olhamos para uma laranjeira vemos que ela passa a vida produzindo lindas folhas verdes, florescências cheirosas e laranjas doces uma estação após a outra. Essas são as melhores coisas que uma laranjeira pode criar e oferecer ao mundo. Os seres humanos também fazem oferendas ao mundo a cada momento de suas vidas diárias, em forma de pensamentos, palavras e ações. Podemos querer ofertar ao mundo os melhores tipos de pensamentos, palavras e ações que conseguimos – porque eles são nossa continuação, quer queiramos que eles sejam ou não. Podemos usar o nosso tempo sabiamente, gerar as energias de amor, compaixão e compreensão, dizer coisas belas, influenciar, perdoar e agir para proteger e ajudar a Terra e uns aos outros. Desse modo, podemos assegurar uma bela continuação.

O filósofo francês Jean-Paul Sartre disse que o homem é a soma das ações dele. Isto é muito parecido com nossa Quarta Lembrança: temos que abandonar tudo e todos que amamos. Tudo o que levamos conosco e tudo o que deixamos para trás são os frutos dos nossos pensamentos, palavras e ações durante a vida. Isto é, o nosso carma, nossa continuação. Quando uma nuvem está poluída a chuva está poluída. Purificar pensamentos, palavras e ações criam uma bela continuação.

O budismo usa a palavra “karma”. Carma significa ação – ação enquanto causa e ação enquanto efeito. Quando a ação é uma causa, nós a chamamos de karmaheto. Aquele pensamento, fala ou ato terá um efeito em nossa saúde física e mental e na saúde do mundo. E aquele efeito doce ou amargo, saudável ou doentio, é fruto do nosso carma, fruto do pensamento – karmaphala. Continuamos no futuro através dos efeitos dos nossos pensamentos, palavras e ações.

Pensamento e fala são formas de ação. Quando produzimos um pensamento que está cheio de raiva, medo e desespero, ele tem um efeito imediato em nossa saúde e na saúde do mundo. Pensamentos dolorosos podem ser muito poderosos, afetando nossos corpos, nossas mentes e o mundo. Devemos nos esforçar para não produzir estes tipos de pensamentos com muita freqüência. Se você disse algo que lhe desrespeita, hoje, diga algo diferente e isto transformará tudo. Um pensamento positivo nos trará saúde física e mental, e ajudará o mundo a se curar.

A fala correta, recomendada por Buda, inspira compreensão, alegria, esperança, irmandade. Podemos dizer algo que expresse a nossa amorosidade, a nossa indiscriminação, a nossa disposição de dar assistência. Articular tais palavras nos faz sentir melhor física e mentalmente. Dizer tais palavras muitas vezes ao dia trará cura e transformação para nós, para os outros e para o mundo. Todos se beneficiam.

Buda nos aconselha a Ação Correta porque esta ação terá um efeito em nossa saúde física e mental e também na do mundo. Podemos matar uma pessoa, um animal, uma árvore. Ou podemos proteger uma pessoa, um animal, uma árvore. Temos que nos certificar de que nossas ações estão na direção da Ação Correta. Quando desempenhamos um ato físico que tem o poder de proteger, salvar, apoiar ou aliviar, este ato traz um elemento de cura para nós e para o mundo. Quando você está cheia de compaixão, mesmo que você não aja a sua compaixão gerará mudança. Compaixão, por sua própria natureza, gera ação compassiva.

Pensamentos, palavras e ações criam carma e nós produzimos esta energia do carma a cada instante de nossa vida diária. Todo pensamento, palavra e ação carregam a nossa assinatura. Esta é a sua continuação, e esta nunca se perde. É ingênuo pensar que após a desintegração deste corpo não restará coisa alguma. Quando observamos profundamente, vemos que nada realmente nasce e nada consegue realmente morrer. Nossa verdadeira natureza é a natureza que não nasce e não morre. Quando praticamos meditação conseguimos compreender isto.

Buda falou da impermanência das coisas, e muitos outros pensadores também falaram sobre a impermanência. O filósofo grego do século seis, Heráclito disse que não podemos entrar no mesmo rio duas vezes, porque o rio está constantemente mudando. Nada permanece o mesmo por dois momentos consecutivos. Uma visão que não está baseada na impermanência é uma visão errônea. Quando temos o insight da impermanência, sofremos menos e criamos mais felicidade.

Isto não é apenas filosofia, é a maneira de ser das coisas. Quando você está com raiva do seu amigo e está prestes a argumentar, Buda diria a você: “Feche os olhos. Imagine você e seu amigo daqui a três séculos. Onde vocês dois estarão?” Quando você consegue ver onde vocês dois estarão daqui a três séculos, você compreende que não é inteligente argüir porque a vida é impermanente. Se você conseguir tocar a impermanência, então quando abrir os olhos não mais estará raivoso e a única coisa que faz sentido naquele momento é abrir os braços e abraçar àquela pessoa.

Talvez você concorde intelectualmente que as coisas são impermanentes, mas em sua vida diária, você age como se as coisas fossem permanentes. Impermanência não é uma teoria ou filosofia, é uma prática. Devemos praticar a concentração na impermanência. Olhando para uma flor, você ver que ela é impermanente. Olhando para uma pessoa, você ver que ela é impermanente. O dia inteiro, onde quer que você olhe, o que quer que você escute ou veja, concentre-se naquilo com o insight da impermanência. É a concentração da impermanência que vai lhe salvar, e não a idéia da impermanência. Com consciência plena podemos manter viva a compreensão clara da natureza íntima da impermanência e isto nos protegerá de produzir pensamento errôneo e fala errônea.

Nosso carma, nossas ações nos continuam. Sua manifestação já começou. Nossa vida é uma manifestação do nosso carma, e podemos fazer esta manifestação bela e significativa e ela terá uma influência benéfica sobre outras manifestações tanto agora como no futuro. Se soubermos gerar a energia do amor, da compreensão, compaixão e beleza, poderemos colaborar muito no mundo, influenciando positivamente outras manifestações. Não temos que esperar até os nossos corpos se decomporem para que a nossa continuação comece. Se as manifestações que ocorrem no momento presente forem belas e benignas, as continuações delas também serão belas e benignas.

Quando olhamos dentro dos nossos corpos e consciências, nós vemos que somos um organismo complexo. Existem tantas formas, tantos elementos que podem ser encontrados dentro de nosso corpo e da nossa consciência. Em cada célula podemos ver toda a história da humanidade, da Terra e do cosmos. Cada célula do nosso corpo é capaz de nos fornecer todos os tipos de informações que dizem respeito ao cosmos. Uma única célula pode nos dizer muito sobre nossos ancestrais; não apenas humano, mas também nossos ancestrais animais, vegetais e minerais. Toda vez que damos um passo numa meditação caminhando, estamos nos movendo como um organismo, nós estamos nos movendo como o cosmos, e todos os nossos ancestrais se movem conosco e dão passos conosco. Não só nossos ancestrais, mas nossos filhos e os filhos deles se movem conosco. O um contém o todo. Quando somos capazes de dar um passo cheio de paz e alegria, todos os nossos ancestrais estão simultaneamente dando àquele passo.

Nós sabemos que os nossos pais, os nossos ancestrais e os nossos professores todos aguardam que nós vivamos a vida de modo a proteger o nosso planeta. Temos que permitir aos nossos ancestrais, professores e Buda que ajam em nós. Devemos manter uma conversa contínua com nossos ancestrais espirituais e genéticos, para podermos renovar continuamente o nosso insight e determinação no caminho do serviço, amor e proteção. Nosso tempo, nossa vida é para satisfazer as esperanças que os nossos ancestrais espirituais e consangüíneos e nossos professores têm em nós. Não deveríamos deixar o tempo escapulir sem realizar isto. Viver e praticar deste modo trará muita alegria e nos permitirá transmitir aos nossos filhos e netos as melhores coisas que recebemos dos nossos ancestrais.

SUPERANDO O MEDO

Todo dia, nascem novas células e morrem velhas células,
mas elas não têm aniversários nem funerais.

Buda ensinou que tudo é impermanente, que nada é uma entidade absoluta que permanece a mesma. Quando mantemos em mente este discernimento, podemos penetrar mais profundamente na natureza da realidade e não ficaremos aprisionados à noção de que somos apenas este corpo ou este tempo de vida.

A vida de uma civilização é como a vida de um ser humano. Há nascimento e morte. E esta civilização nossa terá que findar um dia. Mas nós temos um imenso papel a desempenhar determinando quando ela terminará e o quão rapidamente. Se a raça humana continuar neste seu presente curso, o fim de nossa civilização estará chegando mais cedo do que pensamos. A forma como dirigimos nossos carros, a forma como consumimos, e a forma como exploramos e destruímos os recursos naturais do planeta estão acelerando o fim da nossa civilização. O aquecimento global pode ser um primeiro sintoma desta morte. Se continuarmos consumindo da maneira como temos consumido, a maioria dos seres humanos do planeta pode morrer e nosso ecossistema será tão prejudicado que será difícil sustentar a vida humana da forma como a conhecemos. O mundo já conheceu muitas outras civilizações antes das nossas, e muitas civilizações já morreram. Tudo é impermanente.

Todas as coisas existem numa transformação sem fim e sem ter uma natureza independente. Podemos saber disso intelectualmente, mas, na realidade, é ainda difícil para nós aceitarmos a impermanência. Queremos que as coisas e pessoas que amamos permaneçam as mesmas.

Compreender a impermanência não é uma questão de palavras ou de conceitos. É uma questão de prática. Somente através de uma prática diária de parar e olhar profundamente, nós poderemos experimentar e aceitar a verdade da impermanência. Pode ser que precisemos dizer a nós mesmos: “Inspirando, estou olhando profundamente para este objeto. Expirando, observo a natureza impermanente deste objeto.” O objeto que estamos observando pode ser uma flor, uma folha ou um ser vivo. Olhando para este objeto profundamente, podemos ver a mudança acontecendo a cada instante.

Existem dois tipos de impermanência. O primeiro se chama “impermanência a cada instante.” O segundo tipo de impermanência é quando algo chega ao fim de um ciclo de surgimento, duração e cessação e existe uma mudança marcante. Esta é chamada “impermanência cíclica”. Quando colocamos água para ferver, a água vai ficando cada vez mais quente, mas a mudança discernível é pequena até que a água comece de fato a ferver e produzir fumaça. Este é o primeiro tipo de impermanência: “impermanência a cada instante.” Então, de repente, vemos a fumaça. Este é um exemplo de impermanência cíclica. Outro exemplo é quando uma criança experimenta um súbito crescimento. Muitas mudanças pequenas estiveram acontecendo, mas tendemos a não notá-las até que haja uma mudança cíclica.

Temos que olhar profundamente para as mudanças cíclicas para sermos capazes de aceitá-las como uma parte necessária da vida e não ficar surpreso ou sofrer tanto quando elas ocorrem. Olhamos profundamente para a impermanência do nosso próprio corpo, a impermanência das coisas à nossa volta, a natureza impermanente das pessoas que amamos, e a natureza impermanente daqueles que nos causam sofrimento. Se não olharmos com profundidade para impermanência, podemos pensar que este é um aspecto negativo da vida, que retira de nós as coisas que amamos. Mas olhando profundamente, vemos que impermanência não é negativa nem positiva, é apenas impermanência. Sem impermanência, a vida não seria possível. Sem impermanência como poderíamos ter esperança de transformar nosso sofrimento e o sofrimento das pessoas amadas em felicidade? Sem impermanência como poderíamos ter esperança de mudar o rumo destrutivo que estabelecemos na Terra?

Impermanência também significa interdependência. Não há fenômeno individual independente porque tudo está mudando o tempo todo. Uma flor está sempre recebendo elementos que não são flor, como água, ar, luz solar; e está sempre devolvendo algo ao ambiente. Uma flor é um fluxo de mudanças, e uma pessoa também é um fluxo de mudanças. A cada instante há input e output. Uma flor está sempre nascendo e sempre morrendo, sempre conectada ao ambiente a sua volta. Os componentes do universo dependem um do outro para existirem.

O exemplo da onda e da água é freqüentemente apresentado para nos ajudar a compreender a natureza sem autonomia de tudo o que existe. Uma onda pode ser alta ou baixa, pode surgir ou desaparecer, mas a essência da onda, a água, não é alta nem é baixa, nem surge nem desaparece. Todos os sinais: alto, baixo, surgir, desaparecer, não conseguem tocar a essência da água. Choramos e sorrimos de acordo com o sinal, porque nós ainda não percebemos a essência, que é a própria natureza, de tudo o que existe. E esta é a nossa realidade. Se somente virmos ondas em suas manifestações de nascer e morrer, sofreremos. Mas se nós enxergarmos a água, que está na base da onda, e compreendermos que todas as ondas estão retornando à água, não temos o que temer.

“Inspirando, eu vejo a natureza da impermanência. Expirando, eu vejo a natureza da impermanência.” Temos que praticar isto muitas vezes. Porque a vida e realidade são impermanentes, sentimo-nos inseguros. O ensinamento sobre viver profundamente no momento presente é o que precisamos aprender e praticar para enfrentar este sentimento de insegurança.

Quando começamos esta prática, queremos que as coisas sejam permanentes e pensamos que elas têm uma natureza autônoma. Todas as vezes que as coisas mudam, sofremos. Para nos ajudar a não sofrer, Buda nos oferece as chaves da verdade da impermanência e da inexistência do eu autônomo.  Quando olhamos profundamente para a natureza impermanente e destituída de autonomia de todas as coisas, estamos usando estas chaves para abrir a porta da realidade, ou do nirvana. Assim nosso medo e nosso sofrimento desaparecem e não nos importamos se estamos jovens ou velhos, ou até mesmo vivos ou mortos. Compreendemos que não morremos no sentido usual de ter existido e depois deixado de existir. Compreendemos que toda vida é uma transformação contínua. Impermanência, inexistência do eu autônomo e nirvana são os Três Selos do Darma, a marca de todo o verdadeiro ensinamento budista.

Quando lutamos contra a natureza da impermanência, sofremos. Podemos permitir que nosso medo, raiva e desespero nos dominem. Por isso é muito importante lidar com nosso medo e desespero antes de podermos lidar com a questão do aquecimento global e outros assuntos ambientais. Buda deixa muito claro isto: temos que nos curar primeiro antes de podermos curar o nosso planeta.

Se nós não reconhecermos o medo dentro de nós, ele continuará moldando o nosso comportamento. A prática oferecida por Buda é a de não tentar fugir do medo. Em vez disso, podemos convidar o medo para que se manifeste em nossa consciência, abraçá-lo com nossa total consciência, e olhar profundamente para ele. Praticar desta forma traz aceitação e compreensão. Deixamos de ser cegamente arrastados pelo nosso medo.
O medo de morrer está sempre lá nas profundezas da nossa consciência. Quando alguém percebe que tem que morrer, pode inicialmente se revoltar contra esta verdade. Eu tenho visto isto em amigos íntimos que foram diagnosticados com AIDS ou câncer. Eles se recusam a acreditar nisto, e lutam consigo mesmo por muito tempo. Quando finalmente aceitam, neste momento, eles encontram paz. Quando encontramos paz, relaxamos e, às vezes, temos até mesmo a chance de superar nossa doença. Eu conheci gente com câncer que foi capaz de sobreviver dez, vinte ou até mesmo trinta anos depois de ser diagnosticada, porque foram capazes de aceitar e viver pacificamente.

Uma monja que vive em Hanói, capital do Vietnã, foi diagnosticada com câncer. O seu médico tinha lhe dito que ela viveria somente uns poucos meses a mais.  Então ela decidiu vir para Plum Village e viver conosco antes de voltar pra casa pra morrer. Ela tinha aceitado totalmente que o fim da vida dela estava próximo. Quando chegou à Plum Village, uma das irmãs propôs a ela que visitasse um médico par ter outra opinião sobre o seu câncer. Ela disse: “Não, eu não vim aqui para ir ao médico. Eu vim para viver alguns meses com vocês todos.”
Ela viveu de todo coração cada momento dos três meses que passou conosco. Ela gostava da meditação caminhando, da meditação sentada, das palestras e discussões do Darma. Três meses tinham se passado e o visto dela estava prestes a expirar e ela tinha que voltar ao Vietnã. Uma das irmãs sugeriu novamente que ela fosse ao médico “apenas para ver” o que tinha acontecido com o câncer dela. Dessa vez ela concordou. O médico disse a ela que a metástase tinha parado e que o câncer tinha quase desaparecido. Mais de catorze anos já se passaram desde que ela foi-se embora de Plum Village e está mais saudável do que nunca. Então o fato de você aceitar é muito importante. Aceitação da morte trará paz para você e com esta paz você consegue, às vezes, continuar vivendo.

Uma onda subindo tem muita alegria. Quando a onda está descendo, pode haver alguma ansiedade sobre o fim da onda. Subida sempre trás queda. Nascimento faz surgir morte. Mas se a onda pratica meditação e compreende que ela é água, consegue entrar em colapso e tombar com alegria. Ela pode morrer enquanto onda, mas ela sempre estará viva enquanto água. O ensinamento de Buda nos ajuda a tocar a nossa verdadeira natureza e receber o insight que dissipará todos os tipos de medo. É possível morrer sorrindo sem medo e sem raiva.

Uma gota de chuva que cai sobre o chão desaparece imediatamente. Mas ela ainda existe, de alguma forma, mesmo quando absorvida pela terra, continua existindo de outra forma. Se ela se evapora continua existindo no ar. Ela se torna vapor, você não vê a gota de chuva, mas isto não significa que ela deixou de existir. Uma nuvem nunca morre. Uma nuvem pode ser tornar chuva ou neve ou gelo, mas uma nuvem não consegue se tornar o nada. Morrer significa que de algo nos tornamos em nada, de ser passamos a não ser. É esta a nossa idéia de morte. Mas meditação nos ajuda a tocar a nossa verdadeira natureza que não nasce e não morre. Antes de se manifestar enquanto nuvem, a nuvem foi vapor de água, foi oceano. Então ela não passou da inexistência para existência. Nossa noção de nascimento é apenas uma noção. Nossa noção de morte é apenas uma noção.

Esta penetração na realidade é muito importante, pois remove o medo. Quando compreendemos que não conseguimos ser aniquilados, libertamo-nos do medo. É um alívio imenso. Com destemor a verdadeira felicidade é possível e também a paz. E se você estiver em paz, nossa civilização poderá também encontrar paz. Se todos nós entrarmos em pânico, aceleraremos a morte de nossa civilização. Quando temos paz é muito mais fácil para nós lidar com as situações difíceis.

Buda nos ensinou a praticar olhando diretamente dentro das nossas sementes de medo ao invés de tentar encobri-las ou fugir delas. Temos as sementes do medo. Temos medo de morrer, de ser abandonado, de adoecer. Tentamos esquecer. Permanecemos ocupados, assim conseguimos esquecer. Mas o fato é que um dia teremos que morrer, nós teremos que adoecer, nós teremos que largar tudo. Por isso Buda urgiu aos monges e monjas que praticassem todos os dias reconhecendo as sementes do medo.

Esta é a prática das Cinco Lembranças, concebida para nos ajudar a reconhecer o medo e praticar sentando-se com ele. A terceira lembrança é: “Morrer faz parte da minha natureza, não há como eu escapar da morte.” Você enfrenta a verdade. Você torna a semente do medo manifesta e a encara e a abraça com sua consciência plena. Isto requer coragem. Fazendo isto você reduz a força do medo e a semente do medo se enfraquece. A prática nos ajuda aceitar o envelhecimento, a doença e morte enquanto realidades, fatos que não podemos escapar. Após termos aceitado isto, sentimo-nos muito melhores. Quando somos afetados por uma doença como câncer ou AIDS, revoltamo-nos dizendo: “Por que eu?” Negar é a primeira reação. Não acreditamos que esta é a verdade. Negamos a verdade. Então atravessamos o desespero e a revolta; lutamos conosco por muito tempo e finalmente aceitamos o fato. Neste momento encontramos paz. E quando encontramos paz, estamos mais relaxados e temos a chance de superar a doença. Temos que aprender a aceitar o fim desta nossa civilização. Se conseguirmos aceitar isto, estaremos mais cheios de paz. Aceitamos a nossa própria morte, aceitamos a morte de nossa civilização. Tocamos a verdade da impermanência e assim temos paz. Quando tivermos paz, haverá esperança novamente. Com este tipo de paz podemos fazer uso da tecnologia que está disponível a nós para salvar este nosso planeta. Com medo e desespero não seremos capazes de salvar nosso planeta, mesmo que tenhamos a tecnologia para fazer isto. É possível morrer pacificamente, com amor, se nós tivermos o insight da interexistência dentro de nós e soubermos tocar a nossa verdadeira natureza que não nasce e não morre.

AS CINCO LEMBRANÇAS
  

1.   Envelhecer faz parte da minha natureza, não há como eu escapar do envelhecimento.
2.      Adoecer faz parte da minha natureza, não há como eu escapar da doença.
3.      Morrer faz parte da minha natureza, não há como eu escapar da morte.
4.      Mudar faz parte da natureza de tudo o que estimo e de todos os que amo, não há como eu escapar de ser separado deles.
5.      Eu herdo os resultados das minhas ações de corpo, fala e mente. Minhas ações são minhas continuações.

A prática da respiração consciente pode lhe ajudar a olhar em profundidade dentro da natureza e raízes do seu medo. Por isso, eu recomendo a prática das Cinco Lembranças como um exercício de respiração.
Inspirando, eu sei que envelhecer faz parte da minha natureza.
Expirando, eu sei que não consigo escapar do envelhecimento.
Inspirando, eu sei que adoecer faz parte da minha natureza.
Expirando, eu sei que não consigo escapar da doença.
Inspirando, eu sei que morrer faz parte da minha natureza.
Expirando, eu sei que não consigo escapar da morte.
Inspirando, eu sei que um dia terei que largar tudo e todos àqueles a quem aprecio.
Expirando, não há como levá-los junto.
Inspirando, sei que não levo nada comigo exceto minhas ações, pensamentos e feitos.
Expirando, somente minhas ações me acompanham.

Esta prática nos ajuda a aceitar o envelhecimento, a doença e morte enquanto realidades – fatos que não conseguimos escapar. Quando conseguimos praticar deste modo aceitando estas verdades essenciais, temos paz e a capacidade de viver mais saudavelmente e compassivamente, e deixamos de causar sofrimento a nós mesmos e aos outros.

Se aceitarmos a morte de nossa própria forma corporal humana, conseguiremos talvez começar a aceitar a morte eventual da nossa própria civilização. Esta nossa civilização é apenas uma civilização e um dia ela terá que morrer para deixar espaço para que outra civilização surja.  Muitas civilizações já vieram e se foram. O aquecimento global pode ser um sintoma inicial da morte de nossa atual civilização. Se não soubermos como interromper o nosso consumo exacerbado, a morte da nossa civilização certamente virá mais rapidamente. Podemos tornar este processo mais lento, parando e sendo consciente, mas a única forma de fazer isto é aceitando a morte eventual desta civilização, da mesma forma como aceitamos a morte de nossa própria forma física. Aceitação torna-se possível quando sabemos que nas profundezas da nossa verdadeira natureza está uma natureza que não nasce e não morre.
Inspirando, eu sei que esta civilização vai morrer.
Expirando, esta civilização não consegue escapar da morte.

Quando conseguimos aceitar isto, não mais reagiremos com raiva, negação e desespero. Aceitação trará paz, e se você tiver paz interior a nossa civilização poderá ter uma chance. Em suas reflexões sentadas ou caminhando, pare e olhe profundamente para ter este insight – não enquanto uma expressão verbal, mas enquanto um insight real. Esta penetração na realidade gerará consciência plena e paz e destemor e com isto você poderá fazer uma real contribuição.

Os cientistas dizem que temos tecnologia suficiente para salvar nosso planeta. Temos fontes de energia renováveis como a do vento, a solar, da onda e recurso geotérmico; e temos acesso a veículos híbridos, elétricos e movidos a óleo vegetais. No entanto não aproveitamos esta nova tecnologia. Estamos em um estado de desespero, raiva, divisão e discriminação. Não estamos suficientemente pacíficos ou despertos. Não temos tempo suficiente; estamos demasiadamente ocupados. Somos incapazes de colaborar. A tecnologia tem que estar apoiada pela irmandade, compreensão e compaixão. O tecnológico tem que funcionar de mãos dadas com o espiritual. A nossa vida espiritual é o elemento que pode fazer surgir energias de paz, calma, irmandade, compreensão e compaixão. Sem isto, nosso planeta não tem chance.
Conforme foi mostrado, a sabedoria oferecida por Buda é que aceitemos a impermanência – nossa própria morte e a inevitável morte da nossa civilização. Tendo aceitado isto, teremos força e paz e um despertar que nos unirá. Não mais ódio, não mais discriminação. Então teremos a oportunidade de fazer uso da tecnologia que está a nossa disposição para salvar o nosso querido planeta.

Se nós, membros da raça humana, praticar meditação, podemos transcender nosso medo, desespero e negligência. Meditação não é uma fuga. É a coragem de olhar para a realidade com consciência plena e concentração. Meditação é essencial para nossa sobrevivência, nossa paz, nossa proteção. De fato, nossas percepções errôneas e visões incorretas estão na base do nosso sofrimento. Descartar visões errôneas é a coisa mais importante e urgente a ser feita. Nosso mundo precisa de sabedoria e discernimento. Enquanto professor, pai, jornalista, cineasta, você é capaz de compartilhar os seus insights de forma que possam despertar o povo do seu país. Se o seu povo estiver desperto, o seu governo terá que agir de acordo com a sagacidade do povo. Se praticarmos, podemos nutrir a dimensão do destemor e irmandade.

Não precisamos nos retirar e encontrar algo para meditar. O objeto de nossa meditação não está fora da nossa vida diária. O caminho proposto por Buda é o de ajudar a si mesmo e ajudar as pessoas a sua volta; é o de praticar olhando mais profundamente para nos libertar de noções que são os fundamentos do ódio, medo e violência. É assim que uma mudança coletiva de consciência surgirá.